Lembro-me de um amor que tive. O seu nome era... Ah! faz tanto tempo, esqueci. Mas não esqueci quando a vi pela primeira vez. Ela vinha do colégio. Eu, sentado à porta de minha casa, fazendo absolutamente nada — talvez olhasse nuvens —, ao vê-la, senti o coração descompassar. Pensei em chamar mamãe, quem sabe uma doença não me atacasse, aqueles ventos de antigamente... mas não o fiz, deixei-me ficar a contemplá-la, enquanto o cavalo do meu amor pisava potoc, potoc, o meu coração.
Pergunto-me o que pode amar um menino numa menina. Não esses meninos de hoje, os meninos do meu tempo. Ah, eu bem sei. Amava a beleza da menina, um jeitinho feminino qualquer. Amava o intocável, as expressões caras que eram guardadas como se fossem um tesouro. Amava o que nelas não se declarava, mas apenas o que se insinuava nas entrelinhas do seu pronunciamento. Amava as meninas pelo o que elas eram: apenas meninas.
Mas é sempre aí, em meio ao mais sublime amor, que surge um demônio: a paixão, este amor afogueado que queima o ventre. O que era céu, nuvens, flores, de repente se transformou em chão, terra, lama; para ser mais exato, esteira.
Na esteira eu e Rita nos amamos. Não, Rita não era a menina que eu amava. Rita, eu a odiava. Porque foi Rita quem galopou o cavalo do meu amor. Pior que isso, foi Rita quem dissipou a nuvem, o céu e as estrelas do mundo do meu amor por aquela menina. Não sei se odiei esta minha paixão por Rita justamente por ela ter extinguido a outra mais sublime. Ou se simplesmente odiei esta minha paixão pelo simples fato de amar Rita demais. Eu não sei. Nunca pude saber. Um e outro amor passaram. A menina mudou-se para outra cidade; Rita casou-se com Antenor e foi morar na roça; e eu, eu fiquei das lembranças daqueles dois amores, que foram os primeiros da minha vida. Outros maiores e melhores os tive, mas, para que dizer, ou desdizer dos primeiros, não é sempre o último o primeiro, o maior e melhor de todos os amores?
Foto: Porto Pequeno de Barcelos do Sul, por Endel Nascimento.
Grande, grande, grande... Que maravilha de conto!
ResponderExcluirUm texto delicioso e que leva o leitor a relembrar também as primeiras emoções do amor.
ResponderExcluirÉ, eu disse um verso certa vez, que Luiz Cajazeira aproveitou como epígrafe de um soneto dele: Eu amo cada amor como o primeiro. Ou seja o que vocÊ diz na conclusão do seu doce conto: O último é o primeiro. ou seja, aquele último é o primeiro que a gente mais amou.
ResponderExcluirO conto é de uma doçura, de uma simplicidade quase ingênua, adorei. Mais um dos seus belos trabalhos. Um beijo. Gláucia.
Flamá!!!
ResponderExcluirEstou tão feliz depois de ler seus contos outra vez! É incrível como sua escrita prende! Muito empolgante!!! Aquele amor passageiro, de passageiro, não tinha nada mesmo! Acho que a intenção era essa, não era? A-DO-REI!!!
Li outro conto também! O fator surpresa de seus contos está muito interessante e surpreende mesmo!!! A escrita também está bárbara! A fluidez, o narrador que usa as idéias do personagem para narrar... está tudo ma-ra-vi-lho-so!!!
Fiquei muito feliz ao ler seus contos!!!
Um cheirão!!!
Silvane
Valeu, meu amigo Vilarinho!
ResponderExcluirObrigado, sempre, Gerana.
É isso, Gláucia. Lembro do seu verso. Obrigado pelas doces palavras.
Obrigado, Silvane. Eu que fico feliz por ter você como leitora. Quanto à minha intenção, não sei nada a respeito disso não. A leitura que você faz do texto é que é importante.
Beijos.
os amores e suas ressignificações, toda vez que recordamos é diferente,
ResponderExcluirabraço
Definitivamente, não existem amores passageiros...
ResponderExcluirDe um jeito ou de outro, ele sempre nos marca por completo e , toda vez que o recordamos, nos lembramos a partir de diferentes momentos e de mil maneiras diferentes
abraço
"Outros maiores e melhores os tive, mas, para que dizer, ou desdizer dos primeiros, não é sempre o último o primeiro, o maior e melhor de todos os amores?"
ResponderExcluirEu entendi que o último é sempre o primeiro (o mais importante, digamos), dada a circunstância de estar mais próximo, tomando tudo, ocupando o espaço mental, daí a frase,bastante clara, "não é sempre o último o primeiro, o maior e melhor de todos os amores?"
Parabéns, Flamarion. Somos feito de memória. Como diria Ruy Espinheira Filho " o homem é 80 por cento de memória". Não há escritor que não se refira a sua infância e adolescência. Temos grandes exemplos como Proust, Manuel Bandeira, Drummond, Walter Benjamim. E você segue esta trilha, que é um ótimo caminho. O retorna à infância e adolescência são matérias primas para delineramos em nossa escrita, que ora pode ser real, ora pode ser fictícia, e assim, neste movimento, vamos nos construindo, nos inscrevendo. Sucessos!
ResponderExcluirRafael Nunes
Obrigado por visitar meu blog, Assis Freitas. Obrigado pelo comentário.
ResponderExcluirÉ isso Kleitman. Volte mais vezes.
É, Gerana, prefiro ficar de fora. Uns podem achar que o primeiro é o último e outros, que o último é o primeiro. Pontos de vista... Obrigado.
Obrigado, Rafael, apareça mais vezes.
Flamarion, vim aqui te visitar e gostei muito não apenas desse conto, mas de muita coisa que li aqui. Parabéns. Voltarei sempre. Abraço.
ResponderExcluirSão as primeiras emoções as mais fortes. As indissociáveis, insolúveis e inexplicáveis.
ResponderExcluirElas ficam e o tempo vai aparando a forma, sendo o mesmo escultor que construiu com o vento o Grand Canyon . Lugar para depósito das nossas emoções maduras. Grande abraço e meus parabéns.
Oi, Lidi. Obrigado pela visita. Volte mesmo.
ResponderExcluirObrigado, Djabal. Há sabedoria em suas palavras. Abraço.
Oi, Flamarion, ler você é fazer uma carícia na nossa própria alma, nos enternecer pelo que somos e o que fizemos. Que texto terno! E tão bem escrito, meu amigo, que nos dá felicidade.
ResponderExcluirAbraços, e obrigada por ter colocado um trecho do seu novo livro lá no aeronauta. É uma honra pra mim.
Lembranças são verdadeiros tesouros e nos fazem ter contato com a singeleza dos sentimentos...Os amores sempre ficam registrados na alma,ainda que nos distanciemos. Grande abraço.
ResponderExcluirOi, Aero. Obrigado pelo comentário e pela amizade.
ResponderExcluirObrigado, Rita.
Flamarion, gostei muito de te conhecer pessoalmente. Espero mais textos seus; por que não atualiza esse blog para seus leitores?
ResponderExcluirsó pra vc saber q passei ak.
ResponderExcluirObrigado pela visita, Emily. Volte mais vezes.
ResponderExcluirBeijo.