Rio Barcelos

Rio Barcelos

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Amor passageiro


Lembro-me de um amor que tive. O seu nome era... Ah! faz tanto tempo, esqueci. Mas não esqueci quando a vi pela primeira vez. Ela vinha do colégio. Eu, sentado à porta de minha casa, fazendo absolutamente nada — talvez olhasse nuvens —, ao vê-la, senti o coração descompassar. Pensei em chamar mamãe, quem sabe uma doença não me atacasse, aqueles ventos de antigamente... mas não o fiz, deixei-me ficar a contemplá-la, enquanto o cavalo do meu amor pisava potoc, potoc, o meu coração.
Pergunto-me o que pode amar um menino numa menina. Não esses meninos de hoje, os meninos do meu tempo. Ah, eu bem sei. Amava a beleza da menina, um jeitinho feminino qualquer. Amava o intocável, as expressões caras que eram guardadas como se fossem um tesouro. Amava o que nelas não se declarava, mas apenas o que se insinuava nas entrelinhas do seu pronunciamento. Amava as meninas pelo o que elas eram: apenas meninas.
Mas é sempre aí, em meio ao mais sublime amor, que surge um demônio: a paixão, este amor afogueado que queima o ventre. O que era céu, nuvens, flores, de repente se transformou em chão, terra, lama; para ser mais exato, esteira.
Na esteira eu e Rita nos amamos. Não, Rita não era a menina que eu amava. Rita, eu a odiava. Porque foi Rita quem galopou o cavalo do meu amor. Pior que isso, foi Rita quem dissipou a nuvem, o céu e as estrelas do mundo do meu amor por aquela menina. Não sei se odiei esta minha paixão por Rita justamente por ela ter extinguido a outra mais sublime. Ou se simplesmente odiei esta minha paixão pelo simples fato de amar Rita demais. Eu não sei. Nunca pude saber. Um e outro amor passaram. A menina mudou-se para outra cidade; Rita casou-se com Antenor e foi morar na roça; e eu, eu fiquei das lembranças daqueles dois amores, que foram os primeiros da minha vida. Outros maiores e melhores os tive, mas, para que dizer, ou desdizer dos primeiros, não é sempre o último o primeiro, o maior e melhor de todos os amores?


Foto: Porto Pequeno de Barcelos do Sul, por Endel Nascimento.