Enamoravam-se. Não dos sabidos modos das gentes grandes. Que, também, estas, assim não de forma direta, enrolam os meios feito cipós. Nada dizem, mas, no não dizer, tudo dizem. Entendimento mais doido! Entendem-se. Assim meio bichinhos no farejar do amor.
Quero dizer que sim: enamoravam-se os dois. Porém, olhe só o descabimento! Manuelito de Dasdores, bicho mais feio se tirando de bonito, e logo para cima dela, Nióbe, toda do outro moço, Neco, já enamorada. Mas isso foi quando meninos, cheirando a leite.
Bichinhavam-se. Certos e incertos do amor e das quizilas, emaranhavam-se por caminhos de fontes, rios e matos.
“Nhô Manuelito, bicho feio, arrepare que te mato.”
E no bojo do outro, Neco caía feito bicho, todo armado de unhas e dentes. Tudo pelo amor, só existido em sonho, e dormido, pela menina “Nióbe, que é bonita”, e ninguém supõe essa arte. Só Deus, este criador, que entre um bocejar e outro vai tecelando artifícios.
– E façam-se crescidos, Ele diz. E num momento aquela mangueirinha de antes nunca vista, arvoreceu. As paredes da casa, ontem apenas caiadas, Rosaram-se. E toda a gente, até Manuelito, que Deus, por engenhosidade nunca mata, tudo Deus coloriu, modificou, cresceu...
Nióbe bonitona, cheiosa. Neco um tipo fortão, de remar. Manuelito, nem digo, para desgraça de Neco, agigantou-se. Até que ela, a moça Nióbe, a Manuelito ofereceu um olhar derramado, certa feita. Foi quando suspirou:
“Tão fortão o Manuelito; iche que arrepio toda!”
Desde então Nióbe teve os olhos despertados para este moço.
Hum, Neco logo se arrochou. Não de forma amostrada, ocultos os músculos, escondida no canto do olho uma outra arte, maliciosa:
“Peixeirinha, peixeirona.”
E foi lá na rua do lado de lá que aconteceu um baile. Casa de seu Nezito.
“Me concede a honra dessa dança, Dadinha?”
Dadinha toda se vai dançar com o moço que a convida.
“Desafastada! Desafastada!”, recomendara o pai que a filha dançasse, pela honra, que é só o que pobre e moça têm.
Mais tarde, festa rolada, regada à bebida, moços empolgados, afogueados, a homens todos tirados.
“Dança essa dança, Nióbe?”, pergunta Manuelito. Desconcedido o pedido, se já tão cansadinha a moça, se suara todo um disco com Neco, por vontade e gosto dela e dele; um caco, ela.
Mas Neco, Neco, diabo de premeditação! Bebeu no intento, o Cão.
Nióbe descansada no banquinho. Do outro lado da sala Neco nem diz. Diz, só no olhar:
“Vem dançar com eu.”
“Mas Neco, fui chamada ind’agora.” ressalva ela.
“Chamou, quem, e eu, fui?”
“Neco, Neco, fui chamada pelo Manuelito e não fui; isso dá briga.”
“Adiante, adiante.”
Nada mais dizem. Já dançam pela sala.
“Então é assim, sinhá falsa?” alto diz o moço Manuelito, já apegado no bracinho de Nióbe, repuxando-o.
“Desafasta! Desafasta!”, diz, abrindo os braços, Neco.
“Desafasta! Desafasta!”, dizem todos, abrindo.
Na sala apenas Neco e Manuelito; Nióbe entre eles.
Neco puxa a faca.
“Peixeirinha, peixeirona.”
Manuelito não se acovarda, não. Abre as pernas, ginga o corpo. Um golpe, um bote, coisa assim parecida. Atarantada, a moça, no meio.
Manuelito larga o pé. Neco avança. Entre os dois, a moça. Neco enfia a faca, albiventre de virgem, sangrado.
Branquirubra, Nióbe jaz.
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Maraú - Sunset at Algodões River
Este é um conto que chamo de estupendo, desde seu início, até a evolução, que conduz ao ápice e o próprio ápice da história.
ResponderExcluirnossa que lindo. prazer ler você. obrigada por ensinar o caminho...
ResponderExcluirabraços
Flamarion: que conto, rapaz! Adorei. Alinguagem um pouco à Guimarães Rosa, muito bem posta. Bem estruturado, bem desenvolvido, gostei muito, parabéns. Abração Gláucia.
ResponderExcluirRapaz... Devo dizer que você é o Rosa do século XXI... É difícil escrever assim... Muito bom, meu rei.
ResponderExcluirAbração,
CV
Obrigado pelo incentivo, Gerana. Seus comentários são muito importantes para mim;
ResponderExcluirÉ um prazer ter você aqui, Dani. Volte sempre;
Gláucia e Carlos Vilarinho: concordo que o conto lembra, escancaradamente, Guimarães Rosa. Coloquei mesmo GR no processo e como processo de construção.
Abraços.
Muito obrigado pela visita!!! Eu moro em España mais sou de Ilheus, você mora perto de la!
ResponderExcluirGostei muito do texto, vou voltar!:)
Abraços
Oi, Brisa.
ResponderExcluirMuito bom te receber aqui. Obrigado.
Moro em Salvador.
Abraço
Rapaz, que lugar bonito é esse da foto aí, meu rei? Tem pousada lá?
ResponderExcluirCarlos: a foto principal é de Barcelos do Sul, tem pousada,sim, mas é bom ligar antes; a foto do conto Alvorada é de Algodões, na península de Maraú.
ResponderExcluirAbraço.
Bonito conto, lembra Rosa.
ResponderExcluirFico feliz de ver sua produção.
Abçs
América