Deram seis horas. Há pouco ainda se ouvia o canto altissonante dos cigarrões, mas o som da orquestra foi baixando, baixando, e logo o silêncio. A tarde caminhava ao encontro da noite. A luz esmaecida do dia estendia-se preguiçosa na praça e nas duas ruas de Aldeia da Purificação. Mas a escuridão já se prenunciava nos cantos. Abria-se a porta escura do quarto e logo ela ia escapando pelo corredor. Fechava-se a porta do quintal e logo um manto negro formava-se na cozinha. Os candeeiros estavam a postos pendurados nos portais, ou sobre cômodas e armários, ou na mão de alguém que o levará com cuidado, para não apagar. Todo o lugar é silêncio e sombra.
Olhe lá para baixo, nessa rua, e veja
alguém.
Está vendo? Não vê nada.
Rua comprida. Lá embaixo, quem tem
imaginação, verá corpos escuros atravessando a rua, saindo do beco de seu
Edson. Mas não são ninguém. São só confusão dos olhos. Esses vultos escuros.
É capaz de ouvir uns sons, uns bu, bu, bu, que não se sabe de onde vêm?
Esses sons vêm do fundo do quintal da
casa de Linderzer Moreno, que já morreu faz tempo. Morreram todos. Enquanto ele
toma café com a mulher e a filha, que é fraca do juízo, ouve-se no fundo do
quintal os bu, bu, bu, que são os pios do bacurau. Quando o agouro
da ave se prolonga, o pai chega à janela e, batendo com o facão na pedra, diz:
- Toma fumo, caipora!
− A ave silencia, intimidada com a voz
grossa de Linderzer Moreno, voz que fica ecoando, vagando perdida. Até hoje. A
voz ameaçadora do homem assusta mais que os bu,
bu, bu, daquela ave, que ele julga ser a caipora.
− Ora, paremos com esse discurso
abestalhado de caipora, que aqui não há lugar para isso! – você me diz.
Tudo bem, mas não se esqueça: o povo
acredita. E essa é uma realidade mais dura do que pedra. Não é coisa que se
desfaça com um sopro.
Vamos, apure o ouvido; vê se ouve.
- Bu,
bu, bu!
- Toma fumo, caipora!
Estas palavras repercutirão no juízo do
povo, até o fim dos dias, de geração a geração. É uma praga.
- Bu,
bu, bu!
- Toma fumo, caipora!