Fragmento de "uma coisa" que estou escrevendo;
tomara que vingue.
***
Eugênia, depois que percebeu que o marido havia saído,
levantou-se, pois não estava com sono. Pegou o candeeiro pendurado em uma viga
da casa e o colocou sobre a mesa, assim poderia ler o Almanaque Capivarol,
exemplar que lhe dera seu João Celi, quando ela fora à vila comprar remédio
para cólica. Era a única coisa que tinha para ler naquela casa. Havia uns casos
e piadas engraçados na revista. Já os lera todos, mesmo assim sentia certo
prazer em voltar à leitura, como se fosse a primeira vez. Sabia tudo de cor,
mas havia um engenho na leitora que fazia com que a cada nova leitura brotasse
da história algo novo. Ou como se a pessoa que estava lendo já fosse outra.
Assim Eugênia se pôs a folhear a revistinha. E parou num caso conhecido. Ao
terminar a leitura, estava emocionada, como se todos os problemas do seu mundo
real tivessem deixado de existir. Naquele momento, só ela e a leitura. Desviou
os olhos do almanaque e olhou a parede à sua frente. Agora uma outra história,
também já vivida e repetida por Eugênia, saltou dos seus olhos e foi se
desenrolar na parede. Ela era a espectadora. A luz amarela e trêmula do
candeeiro projetando e dando movimento às imagens na parede. Era uma história.
E era uma história triste. A história de um amor proibido. O filme parou de
repente. Eugênia apagou o candeeiro com um sopro forte e as imagens
evadiram-se. O cenário do mundo escureceu. Bobinha! A história não para nunca.
Ela é filha do tempo. Ela continua, mesmo no silêncio, mesmo na escuridão...
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