Rio Barcelos

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Cântico de Verônica



Na porta da professora Izabel havia uma mesinha enfeitada do lado de fora. Por um momento a procissão parou. Adelina subiu em uma cadeira e, com o sudário com que Verônica enxugou o rosto de Cristo nas mãos, ela entoou um hino em latim.


“O vos omnes,

qui transitis per viam,

attendite et videte,

si est dolor sicut dolor meus”

Era o hino de Verônica. À medida que cantava, ora sungava o pano com as pontas dos dedos, devagar; e ora o abria totalmente, e todos podiam ver o rosto de Cristo estampado em vermelho. Seu Dudu batia a matraca, Adelina descia muito emocionada da cadeira e a procissão continuava.
Agora era a vez de Adelina subir na cadeira e cantar o hino de Verônica na porta de dona Anita. E as palavras lamentosas diziam:

“Ó vós todos
que passais pelo caminho,
 parai e vede
se há dor igual à minha dor.”

Trecho de O Pescador de Almas



4 comentários:

  1. Deixei Camamu há quase trinta e cinco anos. Há vinte e oito estive lá pela última vez, embora, na prática, há mais de trinta, já que esse retorno, por algumas horas, foi apenas para "resgatar" o corpo do meu pai, morto durante uma curta viagem, há pouco mais de um mês tendo-se mudado da cidade.

    Camamu é minha Amarcord, mesmo estando eu a incontáveis anos-luz de Fellini.

    Hoje, por alguma coincidência, descobri teu blog: justamente um domingo de ramos.

    E as lembranças são muitas, vívidas para além do que seria recomendável.

    Ouço, longinquamente, rostos difusos, por ruas que, na minha imaginação, permanecem, ainda agora, intocadas, o canto da Verônica, tirando das vestes a efígie sagrada, repetindo o gesto ao longo da Procissão do Encontro, passando pela porta da minha casa - esta, hoje, construída, a cada dia, com os mais sólidos tijolos das lágrimas saudosas, não importando se os outros, sólidos como se querem os tijolos, já tenham sido derrubados.

    Cosmopolita(!) mesmo num mundo tão pequeno (como Camamu), não conheci, senão de nome, de referências até familiares, Barcelos, levando, talvez, demasiadamente a sério a "viagem em torno do meu próprio quarto", em torno de mim mesmo, viagens essas que, ao contrário do que se pode pensar, são mais perigosas do que as que têm por objetivo desvendar terras ainda intocadas: dentro de nós, nunca sabemos aonde poderemos chegar, se chegarmos.

    Mas tudo isto foi, para mim, como uma madeleine, doce como ela só, mergulhada numa xícara de chá de tílias, sentindo um pouco do êxtase epifânico de Prout.

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  2. Errata: onde se lê Prout, leia-se, claro, (Marcel) PROUST. (Chico Vivas)

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  3. Onde se lê "Prout", leia-se, claro, (Marcel)PROUST. (Chico Vivas)

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  4. Prezado Chico Vivas,
    sua escrita é leve e tocante, voo suave. Visitarei seu blog. Conheço a família Vivas de Maraú,em Barcelos do Sul há um senhor chamado Arivaldo Vivas. Uma pena que tenha voltado a Camamu somente por ocasião da morte de seu pai, meus sentimentos. Faz anos que não vou a Barcelos do Sul, mas, como pode ver, é lá que meu pensamento está sempre que escrevo. Meu abraço.

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