Rio Barcelos

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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pescadores


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 Chegaram ao bar de Preto. Lá estavam pescadores falando mentiras, contando vantagens, soltando palavrões, falando putaria, enfim, praticando a verdadeira filosofia da vida. Entre eles estava Terêncio. Encontrava-se sóbrio. Juarez não tinha opinião e repetia todas as asneiras que ouvia. Djalma escorava-se no balcão e todos juravam que cairia caso arriscasse um passo. Isso se repetia todos os dias. Preto não bebia e não fumava, caso contrário, imprudentemente beberia e comeria ele mesmo o seu ganha pão.
Enfim, havia outros pescadores que, como os já citados, ocupam um plano secundário na história.
Mas Terêncio parecia não se dar conta disso. Tentou dar um ar nobre à sua postura de homem rude. O que desejaria o molambo? Sabemos o caso de sua mulher com José Reis. Mas os outros que bebiam no bar de Preto pareciam desconhecer a traição de Rita. Abriria então este homem a boca? Difamaria a mulher, jogando-a na boca do povo? Não. Claro que não faria tal asneira. E ele próprio, não conta? Claro que conta. Não gostaria de ser apontado na rua:
— Olhe, lá vai Terêncio, o corno.
Outro:
— Veja, senhor Emanuel,  lá vai Terêncio, o chifrudo, passar a noite na roça.
É verdade. Terêncio ultimamente vinha com essa ideia de dormir na roça. E tudo por causa das formigas, que lhe acabavam a plantação. De noite ele as seguia até ao formigueiro. Botava a mangueira na boca do formigueiro e bombava a formicida lá dentro do buraco. Não devia se esquecer de fechar a boca do buraco, para impedir que entrasse ar, desse modo elas morreriam. Mas sempre depois aparecia mais e mais formigas, cada qual com seu ar patriótico carregando a bandeirinha verde. Então as idas de Terêncio à roça estavam explicadas. Claro que estavam. O que não se explicava era como podia um homem abandonar sua mulher e ir meter-se com formigas em noites de frio. Não estava ele, dessa forma, abrindo a porta ao imponderável? Claro que estava. Mas este é um jogo armado em tabuleiro escuro.
Terêncio, vestido de nobre em espírito rude, foi até a mesa onde estavam João do Velho e José Reis. Disse:
— Boa tarde, seu João; boa tarde, José Reis. Posso me sentar um pouco aqui com vocês?
João do Velho se adiantou e disse:
— Claro, Terêncio. Nem precisa perguntar. Vamos, puxe o tamborete e se sente.
Encobriu o pensamento que o levava a aproximar-se dos dois com:
— A pescaria hoje foi boa, não foi João do Velho?
— Não posso reclamar. Só uma arraiazinha, mas que me deu um trabalho...
— É João do Velho, pescaria boa é assim, quando o pescador usa a experiência aliada à inteligência. Não é não?
— Inteligência e experiência, que nada! Dei foi sorte.
— Você, além de sábio, é modesto, João, por isso todo mundo gosta de você.
Terêncio, dirigindo-se a José Reis, pergunta:
— E você, José Reis, também pegou alguma arraia?
— Não. Peguei foi tainha de bomba. Explodi todas elas. Não tenho experiência, nem inteligência e, quer saber, Terêncio, nem paciência. E mais, exploda-se quem não gosta de mim.
Terêncio fez que não entendeu o tom arrogante de José Reis. Continuou:
— É, há quem goste de fazer da vida uma aventura, não se importando com o estrago que cause.
— Oxe! Tá me repreendendo, Terêncio?
— De forma alguma. Aliás, quer saber? Tô lhe repreendendo sim. Não é certo um sujeito estragar um bem que não é seu, e...
— E o quê, Terêncio? O que é que você vai fazer?
João do Velho procurou desviar o rumo e a temperatura da conversa:
— Parem vocês dois com esta conversa que não leva a nada.
José Reis, já esquentado, queria mais era que tudo fervesse.
— Com certeza que levará à porra de algum lugar, sim, João do Velho. Conversa de mulher e homem, sempre dois comem. E conversa de homem com homem, sempre um some.
João do Velho riu do amigo, que saiu com esse dito vagabundo.
— Vamos ver quem vai sumir, José Reis. Vamos ver. Fique aí segurando sua bomba... — Terêncio disse em tom de ameaça. Levantou-se e saiu do bar.
José Reis fez menção de avançar no pescoço do desgraçado. João do Velho o conteve, dizendo:
— Calma, homem, calma. — e pediu: — Preto! Manda uma gelada!

***
Capítulo do livro João do Velho

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